CONCEPÇÃO ESTÉTICA 3


"Criação a partir do chão"

CONCEPÇÃO ESTÉTICA 2

Tem-se como objectivo fundamental criar um extraordinário sentido de verosimilhança, entendida não como um realismo puro, mas como o que se pode designar de "super realismo". A realidade é empolada de forma a ser mais justa e credível. Isto advém do facto de estarmos a desenvolver o nosso trabalho com base numa artificialidade muito complexa - a não existência de cenários e objectos, é um de muitos exemplos.

CONCEPÇÃO ESTÉTICA

Trabalha-se no sentido de descobrir "a peça que pediu para ser feita"

EXERCÍCIOS TÉCNICOS

Estes exercícios foram dinamizados desde o início do processo e são comuns a todas as semanas:


Níveis de Personagem – Actores sempre em movimento, com o olhar em frente, conscientes da sua respiração, com postura correcta e consciência de centro de gravidade. Considera-se este o nível 0 (zero) do actor.
Sempre em movimento, começar a visualizar interiormente uma das personagens do texto original, com todas as suas particularidades físicas e psicológicas. Evidenciar um pequeno pormenor físico dessa personagem, por exemplo ao nível do caminhar.
Considerando agora uma escala progressiva de 1 a 5, fazer o nível 5 dessa personagem – o exagero absoluto. Ir então regredindo os níveis, esbatendo o exagero até a um ponto em que se entra num registo o mais naturalista possível (nível 1) mas ainda imbuído das características da personagem.


Levantar, transportar e pousar objectos – Em primeiro lugar, o objecto tem de ser bem claro para o actor – as suas dimensões, o peso e onde está.
Ao pegar nele a fisicalidade que o actor imprime deve evidenciar a dimensão e peso do objecto e respeitar o seu “campo magnético”, ou seja, o espaço que ele ocupa no espaço de acção. Ao transportá-lo, o corpo do actor deve continuar a reflectir a dimensão e peso, nunca os alterando ou desfazendo.
Ao pousá-lo deve considerar-se, além do anterior, mais uma vez o “campo magnético” do objecto, recorrendo para isso a este pormenor técnico – quando pousa o objecto deve em primeiro lugar afastar um pouco as mãos dele, como se fosse repelido, e de seguida o seu corpo. (Exercício feito primeiro em ambiente abstracto e depois na cozinha, com os objectos característicos de cada função).


Atirar um objecto em pantomima – Em primeiro lugar, o objecto tem de ser bem claro para o actor. Depois deverá atirá-lo da forma que preveu e descrever logo de seguida com o olhar a trajectória que o mesmo percorre, tendo em consideração o seu peso e a força que foi imprimida no lançamento. Finalmente deverá evidenciar com o olhar a queda do objecto e eventuais consequências dessa queda (ressaltos; partido em cacos; etc.)


Laboratório de trabalho na cozinha – imergir, sem personagens e a título individual, no universo de acções concretas da cozinha – preparação de alimentos, confecção, limpeza, etc.


Aquário – Criação de uma acção que faz despoletar necessáriamente outra e outra. Por exemplo, sempre que um actor parte ovos, o que está ao seu lado discute com ele, os outros observam, e pode ter duas conclusões possíveis – ou o actor inicial dá um grito mais alto que ele, e ficam de costas voltadas, ou então deixa cair um ovo e tudo volta à normalidade.

O PROCESSO DE TRABALHO (Semana 1 a 5)

SEMANA 1

- Ensaio de mesa para primeiro contacto colectivo com o texto.

- Preparação física e concentração de grupo, coordenada por Carlos Pereira, no início de cada período de ensaio.

- Visita a uma cozinha profissional (cantina da escola), caracterizada, tal como no texto de Wesker, por produzir grande quantidade de refeições a partir de uma ementa reduzida e regular.

- Elaboração de uma cozinha no espaço de ensaio, com fita crepe a delimitar os contornos do que se pretende explorar a nível espacial (inspirada no despojamento cénico do filme “Dogville”, de Lars Von Trier).
Contempla uma porta para o exterior; uma porta para a sala de jantar; outra para os vestiários e escritório do patrão; um balcão de entrega de pratos; quatro balcões (peixes, carnes, sopas e sobremesas); um “guarde-manger” e um lavatório.
Inicialmente previa também uma janela, um armário de loiças, um armário de facas e uma mesa central. Ao longo das improvisações que se foram fazendo durante a primeira e segunda semanas, foi-se percebendo que para se corresponder a uma assertiva ideia de síntese, estes dispositivos tornaram-se desnecessários.

- Trabalho de improvisação sobre o trabalho numa cozinha de um grande restaurante, passando por três fases:
1. Activar a cozinha (“nascer o monstro”);
2. Azáfama dos pedidos (“ebulição da cozinha”);
3. Descompressão da fase anterior (“pós vulcão”);
Trabalho baseado em pantomima com onomatopeias, desenrolado numa lógica naturalista da acção.

- Laboratório de personagens de Commedia dell’Arte a trabalhar na cozinha, inspiradas nas personagens do texto original.

- Laboratório sobre as funções específicas na cozinha – um actor nas carnes, outro nos peixes, outro nas sopas e ainda outro nas sobremesas. Começa a ficar claro para os actores quem vai fazer o quê.

- Entrevista em vídeo ao primeiro esboço de personagem de cada actor. Oportunidade de evidenciar as primeiras características espontâneas da personagem.

- Primeira apresentação de uma improvisação a uma turma da escola.



SEMANA 2

- Reformulação das fases a considerar nas improvisações:

“4 Estações”:
1. Pensamento / Acção (manhã)
2. Acção (pedidos = bombardeamento)
3. Acção / Pensamento (espaço para o ego)
4. Pensamento (o correspondente ao “Interlúdio” do texto original)
Entende-se por “Pensamento” aquilo que diz respeito e que ressalta da individualidade de cada cozinheiro. Espaço reflectivo e caracterizador do indivíduo.
“Acção” refere-se ao aqui e agora da necessidade urgente imposta pelo ofício.

- Visionamento do filme “Ratatouille”, de forma a se poder ter contacto com a dinâmica de uma cozinha num contexto de ficção.

- Experiências com sotaques baseados nas nacionalidades presentes no texto original, sendo esta a primeira aproximação mais clara dos actores em relação à personagem que irão desenvolver. Nesta fase ainda se recorre a características pontuais e cruzadas das várias personagens do texto original.

- Com o evoluir das improvisações, surge a vontade de se trabalhar uma mesma base de acção em duas frentes: uma mais naturalista, sem Máscara, e outra com Máscara.
O registo naturalista do actor, de verdade pura, sem empolamentos senão os interiores, associado ao elemento pantomímico e onomatopeico, que confere a teatralidade do jogo entre quem faz e quem vê, passa agora a ser a base de trabalho dramatúrgica.
Confirma-se também que a não existência de cenário e objectos físicos contribui também para esta teatralidade.

- Cria-se o conceito de evolução de improvisação. Ou seja, consoante o que a Encenação vai determinando como objectivo de improvisação esta passa a ser numerada e consolidada.
Assim, a “Impro 1” considera o trabalho da primeira semana. A “Impro 2” a inclusão das três primeiras das “4 Estações” e a “Impro 3” acertos técnicos em relação à anterior.

- Em relação aos figurinos, e partindo da farda clássica de cozinheiro, inclui-se elementos diferenciadores entre os actores (colocação do chapéu, lenços, aventais, formas de abotoar o casaco, etc.)

- Criação de acções pantomímicas concretas e caracterizadores do tipo de trabalho que se está a executar – por exemplo, o gesto de partir ovos e bater claras remete claramente para alguém que se ocupa das sobremesas, ou estar a descascar uma cebola com o consequente choro que ela provoca.

- Partindo de uma recorrência do texto que compara a cozinha a um manicómio, e sendo a fase dos pedidos dos pratos o auge deste estado de loucura, tornou-se evidente pela experimentação que para se passar a ideia de manicómio, o estado emocional das personagens não deve ser de exaltação histérica, mas antes de uma contenção e imersão tal no trabalho que a loucura é evidenciada mais pela magnitude absurda dos pedidos e pelo empenho absurdo em cumpri-los, desdobrando-se as personagens em tarefas que rocem o sobre-humano.

Pelo contrário, a fase inicial e a fase pós pedidos, terão de contrastar com a anterior pela diferenciação de personalidades de cada personagem, espaço onde ficamos a conhecê-las e como se relacionam entre si.

- Experiências sobre como diferenciar o “entrar em cena” e o “estar em cena”.

- Descoberta de onomatopeias feitas com o som da acção que se está a realizar.

- Descoberta de situações que jogam com o entre paredes e o fora paredes, gerando efeitos mágicos (por exemplo, quando se entra no garde-manger e se fecha a porta, deixa-se de ouvir o que se diz).

- Primeiros esboços de desenho de luz – luz geral e recortes de zonas específicas (fornos, garde-manger, etc.).

- Primeiras inclusões de acções retiradas do texto original, nomeadamente a explosão final de uma personagem que culmina na destruição da cozinha.

- Apresentação a uma turma do processo de aquecimento dos actores.

- Continuação do trabalho para o fabrico das Máscaras



SEMANA 3

- Inclusão de banda sonora em momentos específicos das improvisações – quando se liga o rádio, quando se volta a ligá-lo, na fase dos pedidos, na fase pós pedidos, e no fim da improvisação.

- Levantamento de todas as acções presentes no texto original.

- Selecção de 5 destas acções de forma a serem incluídas nas improvisações.

- Criação da “Impro 4” que pressupõe a inclusão de 3 acções retiradas do texto.

- Análise de várias “Impro’s 4” e determinação de objectivos para “Impro 5”:
. Uniformização da forma como são feitos os pedidos
. Solucionar a forma como aparece o rádio
. Ter os quatro cozinheiros em constante repetição simultânea de uma acção concreta e reveladora da sua função – “Ensemble”
. Trabalhar a destruição da cozinha

- Entrevista à personagem, de forma a criar o universo pessoal de cada uma.

- Apresentação da “Impro 5” a uma turma da escola.

- Trabalho em barro no âmbito do fabrico das máscaras.



SEMANA 4

- Objectivos da “Impro 6”:
. Melhorar o “Ensemble”
. Inclusão do monólogo do Paul (“Monólogo da Cebola”)
. Exclusão da porta do garde-manger
. Outra solução para o rádio
. Melhorar a destruição da cozinha
. Aprofundar personagens
. Criação de uma situação nova na fase do descanso

- Entrevista individuais às personagens. Tema: telefonema à mãe.
Esta entrevista determinou por ora as seguintes personagens:
Carlos – PETER (alemão)
Diogo – MICHEL (francês)
Ricardo – DIMITRI (cipriota)
Zé – JOSEPH (francês)

- Exercícios de técnica apurada de acções na cozinha.

- Trabalho de mesa sobre as características de cada personagem do texto original e os pontos de ligação com as personagens criadas pelos actores. Levantamento de tarefas culinárias sugeridas pelo autor de forma a se incluírem nas tarefas que se vão fazendo nas improvisações.

- Após várias repetições da Impro 6, desenvolve-se a partir desta um trabalho detalhado de Encenação, onde se começa a fixar marcações baseadas nos seguintes momentos:
. Rádio do Dimitri
. “Ensemble” – mecanização do trabalho até à loucura num plano subjectivo
. Fase dos Pedidos (inclusão de uma música nova)
. Disputa das Batatas entre Joseph e Dimitri

- Novas descobertas das REGRAS DE AQUÁRIO:
. Sempre que o Joseph descasca cebola, os outros diminuem a intensidade dos seus sons.
. Sempre que o Joseph se dirige ao Michel para lhe dizer algo, este vira-se de costas para o público e, de mãos nos bolsos, fala através de movimentos dos ombros.

- Trabalho técnico entre os actores e a Sonoplastia. Primeira experiência onde as acções dos cozinheiros são sonorizadas com sons reais. Descoberta dos sons da porta de entrada, dos fornos, do corte das carnes, do bater claras, entre outros.

- Objectivos da “Impro 7”:
. Seguir o que se foi fazendo na Impro 6, incluindo agora a Sonoplastia existente e as Marcações novas.
. Mudança do bloco e posição de trabalho de Joseph, de frontal para lateral.

- Após a primeira experiência da Impro 7:
. Descoberta da fusão entre onomatopeia seguida de Sonoplastia;
. Mudança de posição de Joseph volta ao que era;
. Determinou-se que dentro do garde-manger não se ouve nada do que se passa lá dentro;

- Trabalho dramatúrgico:
. Pôr em papel acção por acção toda a Impro 7
. Levantamento acção por acção da Primeira Parte do texto de Wesker.
NOTA: Entende-se por Acção um acto que gera necessariamente outro acto, numa lógica de causa-efeito, ou de consequência. Ou seja, considera-se uma acção aquela que gere necessariamente outra acção, ficando estas duas com um sentido unitário (de efeito “dominó”).



SEMANA 5

- Apresentação da Impro 7 à Marta Carreiras, criadora do Espaço Cénico e Figurinos, que se junta agora presencialmente ao processo.

- Visionamento de fotos de ensaio, de forma a identificar nas personagens a sua força realista.

- Visionamento da gravação vídeo da apresentação da Impro 7, com vista a um aprimoramento de acções e determinação de novas acções a incluir (Impro 8).

- Objectivos da “Impro 8”:
. Ter 35 minutos de duração (em detrimento dos 43 mns. da Impro 7);
. Cada personagem ter 2 sons que a caracterizam e que sejam fundidos entre a oralidade e a Sonoplastia;
. Aprimoramentos ao nível da Luz (por exemplo, quando o forno está aberto a Luz está a full, quando este se fecha a Luz diminui);
. Som permanente dos fornos (tal como no texto original);
. Criação de mais acontecimentos entre personagens durante a fase dos Pedidos;
. Implantar o “Monólogo da Cebola”;
. Criação de uma situação forte para sustentar a fúria final de Peter;
. Supressão de sons fora da cozinha;
. Definir bem os caixotes do lixo;
. Nova situação após fase dos Pedidos.

- Visita à cozinha da Escola de Hotelaria do Fundão, onde se pode assistir “ao vivo” ao funcionamento de uma cozinha regida pelos mesmos moldes da cozinha que temos vindo a trabalhar, nomeadamente na distribuição de tarefas, na confecção em grande escala, e na ementa reduzida.
Oportunidade também para esclarecer dúvidas com os professores e chefes de cozinha.

- Reformulação do Espaço Cénico:
. Inclusão de palco inclinado, para que sejam visíveis as marcas no chão em qualquer sala;
. Nova disposição das bancadas de trabalho, sugeridas pela visita à cozinha da Escola de Hotelaria.

- Após a primeira experiência da Impro 8:
. Experimentar ninguém ter sotaque - todos falam a mesma língua, neste caso o português funciona como a língua nativa de um país que nunca será referido, e o estrangeiro fala sem sotaque, mas com uma construção gramatical incorrecta.

EQUIPA ARTÍSTICA E TÉCNICA

Nuno Pino Custódio - Encenação e Máscaras
Ricardo Brito -
Assistência de Encenação
Alexandre Barata, Carlos Pereira, Pedro Diogo e Ricardo Brito - Interpretação
Marta Carreiras - Espaço Cénico e Figurinos
Pedro Fino - Desenho de Luz e Operação Técnica
Albrecht Loops - Sonoplastia
Alexandre Barata - Direcção de Produção
Nuno Barata - Assistência de Produção
António Supico - Fotografia
We are One - Design Gráfico